Ao escolher uma solução de software para operações empresariais, gestores se deparam frequentemente com duas opções principais: Software as a Service (SaaS) e Software On-Premise. Cada modelo oferece vantagens distintas e requer diferentes abordagens técnicas e legais.
Quais são essas diferenças e qual é a orientação sobre os cuidados necessários ao formalizar contratos em ambas as modalidades, garantindo, assim, não só a segurança jurídica da empresa mas o uso efetivo do software em suas operações?
Aspectos Técnicos e Operacionais
Antes de entender as implicações jurídicas e, consequentemente, as peculiaridades contratuais de cada tipo de programa, é importante saber que o SaaS e o On-Premise guardam diferenças técnicas e operacionais importantes.
O Software as a Service (SaaS) é uma modalidade de distribuição de software na qual este é hospedado e mantido pelo provedor de serviços, tornando-se acessível aos clientes via internet. Essa opção oferece vantagens como acessibilidade, ou seja, acesso remoto de qualquer local com conexão à internet, gestão simplificada, quer dizer, atualizações e manutenção sob responsabilidade do provedor, e escalabilidade, pela facilidade em ajustar recursos conforme a demanda.
Em contrapartida, o SaaS apresenta desvantagens que incluem dependência da qualidade da conexão à internet e menor controle sobre a infraestrutura de TI, além da limitação da personalização do sistema em conformidade com as necessidades dos clientes.
No que tange aos dados inseridos no sistema, o SaaS também pode ser desvantajoso ao fazer com que o cliente dependa das regras da plataforma – ou, até, de terceiros – quanto à política de proteção e privacidade de dados. A depender da atividade da empresa e da necessidade de controle maior dos dados de pessoas físicas, por exemplo, essa não é uma solução recomendável.
No modelo On-Premise o software é instalado e gerenciado na infraestrutura do cliente, trazendo vantagens como controle absoluto do sistema e dos dados, na medida em que confere maior autonomia à empresa tanto no manuseio como na gestão da tecnologia e no tratamento de dados, e personalização, permitindo adaptações específicas ao ambiente empresarial.
As principais desvantgens desse modelo, no entanto, são a dependência de uma equipe técnica interna para manutenções e atualizações e o fato de exigir maiores investimentos iniciais, o que pode inviabilizar sua adoção por pequenas e médias empresas.
Implicações Legais, Jurídicas e Contratuais
No Brasil, duas são as principais Leis que regulamentam a exploração de software, a Lei 9.279/96, que é a Lei de Propriedade Industrial, e a Lei 9.609/98, conhecida, justamente, como Lei do Software.
Além disso, a Lei 9.610/98, Lei de Direitos Autorais, publicada no mesmo dia da Lei do Software, classifica os programas de computador como Obras Intelectuais, o que significa que também estão submetidos à abrangência das normas gerais que protegem direitos autorais.
7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:
(…)
XII – os programas de computador;
Isso significa que:
(i) o titular (autor) do software é quem o desenvolveu, e é ele quem tem o direito de comercialização no mercado, salvo quando esse desenvolvimento foi fruto de contrato de prestação de serviços;
(ii) os programas de computador dispensam registro para atribuir titularidade ao seu autor (o desenvolvedor);
(iii) torna-se relevante o contrato firmado entre autor do software e cliente para garantir e esclarecer direitos e obrigações das partes, especialmente com relação à titularidade (quem é dono do programa e pode explorá-lo comercialmente);
(iv) o registro ganha importância a depender do tipo do programa, se SaaS ou On-Premise, e se houver transferência de tecnologia do desenvolvedor ao cliente.
Segundo o artigo 9o. da Lei do Software, “O uso de programa de computador no País será objeto de contrato de licença.” Ou seja, em regra, o software permanece sob propriedade do seu autor, e uma licença onerosa é concedida à quem quer utilizá-lo.
Isso é aplicado tanto no modelo SaaS como On-Premise, com a diferença de que, no primeiro caso, é disponibilizado para uso pela internet e cujos contratos, geralmente, encontram-se nas plataformas próprias nas quais são comercializados, e no segundo o software é instalado na estrutura tecnológica da empresa contratante.
No CONTRATO DE LICENCIAMENTO DE SAAS, é crucial considerar cláusulas que abordem:
Licença de Uso:
Define o escopo de uso permitido e qualquer limitação, inclusive níveis de acesso a funcionalidades.
SLAs (Acordos de Nível de Serviço):
Estipulam a qualidade e disponibilidade do serviço prometida pelo fornecedor.
Proteção de Dados e Privacidade:
Conformidade com leis de proteção de dados como a LGPD, detalhando como os dados são coletados, usados, protegidos, armazenados e, se for o caso, com quem são compartilhados.
Renovação e Cancelamento:
Regras de renovação automática e condições para cancelamento.
Por outro lado, nem sempre é possível negociar cláusulas nesse tipo de contrato. É muito comum as empresas aderirem a contratos de Licenciamento de SaaS pela internet – que são contratos de adesão e não permitem qualquer alteração em suas cláusulas. Bons exemplos são sofwares de CRM, ERP, gestão financeira, serviço de e-mails e até mesmo streaming. Nesses casos, é importante ler as regras às quais a empresa está aderindo, especialmente com relação à vigência, rescisão antecipada, multas contratuais e acesso.
Outro ponto importante é investigar como a empresa de software trata os dados que serão incluídos na plataforma pelo cliente, ou seja, qual é a política de proteção e privacidade de dados, como os dados são armazenados, com quem são compartilhados etc., visando garantir conformidade com a LGPD.
O CONTRATO DE SOFTWARE ON-PREMISE exige mais cuidado, considerando o valor do investimento que, geralmente, é maior. É essencial incluir cláusulas como:
Licença Perpétua:
Garante o direito de usar o software indefinidamente. Não faria sentido investir soma considerável de dinheiro por um programa desenvolvido de acordo com as necessidades da empresa e, porém, com uso temporário. Assim, a licença de uso deve ser pelo tempo que a empresa precisar.
Manutenção e Suporte Técnico:
Detalha os serviços de suporte oferecidos pelo fornecedor e a periodicidade das atualizações do software. Pode acontecer de o fornecedor “sumir” no mercado e deixar para trás um sistema inoperante ou obsoleto, sem as atualizações, já que leva com ele o código fonte e todas as informações técnicas necessárias para tanto.
Por isso, além de detalhar quais são os serviços de suporte, é importante que se mantenha o contato do fornecedor atualizado. Mas outras cláusulas, como veremos a seguir, devem estar juntas com esta para que o serviço seja efetivo e a empresa não perca o programa – e o investimento, consequentemente.
Propriedade Intelectual:
Define se a compra envolve apenas uma licença de uso ou a transferência dos direitos de propriedade do software. Isso deve fazer parte da negociação e é uma das cláusulas mais importantes do contrato.
É aqui que vai se definir se o desenvolvedor deve entregar o cógido fonte, passando o conhecimento e controle absoluto sobre o programa, ou se o código não será entregue, e nesse caso é importante a adoção de cláusula que garanta acesso ao código em caso de necessidade (veja no tópico seguinte).
Se houver transferência de tecnologia, o artigo 11 da Lei do Software determina que o contrato deve ser registrado no INPI para que produza efeitos com relação a terceiros.
Art. 11. Nos casos de transferência de tecnologia de programa de computador, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial fará o registro dos respectivos contratos, para que produzam efeitos em relação a terceiros.
Nesse caso, de acordo com o parágrago único desse mesmo artigo 11, “é obrigatória a entrega, por parte do fornecedor ao receptor de tecnologia, da documentação completa, em especial do código-fonte comentado, memorial descritivo, especificações funcionais internas, diagramas, fluxogramas e outros dados técnicos necessários à absorção da tecnologia.” Então, é bom ter atenção ao contratar nesse sentido, para que a empresa tenha, de fato, tudo o que precisa para poder usar o software pelo tempo que precisar.
Cláusula de escrow de Código Fonte:
Se a transferência de tecnologia não for negociada e o código fonte permanecerá com o fornecedor, uma forma de garantia para a empresa que contrata o desenvolvimento de programa personalizado é estabelecer uma cláusula que permita acesso a esse código em determinadas situações.
Imagine que, após o desenvolvimento do programa, a empresa desenvolvedora encerra suas atividades. Não vai adiantar nada prever no contrato que o desenvolvedor deve prestar serviços de atualização se não houver uma garantia efetiva de acesso às informações em caso de “sumiço”!
Sem o código fonte (e memorial descritivo, especificações funcionais internas, diagramas, fluxogramas e outros dados técnicos), a contrante não conseguirá atualizar ou fazer manutenções no programa e todo o investimento será perdido, além de obrigar novo investimento num programa novo.
Essa clásula, assim, prevê a obrigação de o desenvolvedor depositar o código fonte aos cuidados de um terceiro para que, numa eventualidade como esta, possa ser acessado e mantido o funcionamento do software.
Indenizações e penalidades por descumprimento:
Se as partes contratantes estão de boa fé, o contrato será executado sem qualquer percalço. Porém, ainda que a vontade de ambas seja de cumprir suas obrigações, imprevistos podem acontecer e impedir que tudo corra conforme o combinado inicialmente e, por vezes, o descumprimento de obrigações gera danos.
Por isso, é recomendável a inclusão de cláusulas prevendo penalidades e indenizações que, ao mesmo tempo, inibiem o descumprimento voluntário do acordado e garantem a reparação dos danos eventualmente sofridos.
CONCLUSÃO:
As necessidades das empresas são muito diferentes, e cada uma tem sua cultura, objetivos e disponibilidades financeiras próprias. Mas para todas há uma solução de tecnologia voltada para incrementar os negócios, melhorando procedimentos internos e conferindo maior dinamismo e agilidade – o que reflete no maior ganho em lucros!
Qualquer que seja a esclha, é preciso considerar essas diretrizes aqui colocadas. Assim, as empresas podem fazer escolhas entre SaaS e Software On-Premise garantindo que suas decisões estejam alinhadas com suas necessidades operacionais e jurídicas, enquanto maximizam benefícios e minimizam riscos.