No universo dinâmico da publicidade digital, o Google Ads surgiu como uma ferramenta poderosa para empresas alavancarem sua visibilidade online. Contudo, uma questão que tem despertado debates acalorados nos tribunais é se o uso do Google Ads pode configurar concorrência desleal, especialmente quando marcas de concorrentes são empregadas como palavras-chave ou meta-tags na estratégia para “aparecer na frente” das pesquisas. Este artigo explora essa polêmica, considerando a Lei no. 9.279/96, além da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP).
Entendendo o Terreno Digital: Palavra-Chave, Meta-Tag e Google Ads
Antes de adentrarmos na análise jurídica, precisamos compreender alguns termos fundamentais do universo digital. Palavra-chave refere-se aos termos que os usuários inserem nos motores de busca, orientando os resultados exibidos. São palavras que os usuários e consumidores geralmente usam para buscar produtos ou serviços e que, incluídas nesses motores, fazem com que a empresa apareça nas primeiras posições dos resultados. Por outro lado, meta-tags são códigos HTML incorporados nas páginas web, proporcionando informações aos motores de busca sobre o conteúdo do site. Quer dizer, quando um usuário faz uma pesquisa no Google, se a expressão pesquisada foi incluída como meta-tags no site de uma empresa, esta aparecerá na pesquisa. E o Google Ads, por sua vez, é uma plataforma publicitária que permite a criação de anúncios direcionados a palavras-chave específicas, destacando-os nos resultados de pesquisa.
O Debate Jurídico: Concorrência Desleal e a Perspectiva do STJ
No contexto da Lei de Propriedade Industrial, a jurisprudência do STJ tem desempenhado um papel central na interpretação da concorrência desleal.
Primeiro, é importante deixar claro, conforme restou decidido no Recurso Especial 1679192 / SP, que “O nome comercial e a marca gozam de proteção jurídica com dupla finalidade: por um lado, ambos são tutelados contra usurpação e proveito econômico indevido; por outro, almeja-se evitar que o público consumidor seja confundido quanto à procedência do bem ou serviço oferecido no mercado.”
Ora, se a marca de um produto ou serviço tem a finalidade de distingui-lo dos demais concorrentes no mercado, qualquer ação tendente a confundir o consumidor “escondendo” essa distinção será considerada concorrência desleal.
Evidentemente, o uso de Google Ads não configura prática ilícita. Porém, quando uma empresa, por meio da aquisição de palavras-chave daquela ferramenta “compra” o nome empresarial ou a marca de seu concorrente como expressão de busca para que o internauta chegue ao seu site, estamos diante de concorrência desleal, pois confunde o consumidor quanto ao resultado, induzindo-o a erro.
Recentemente, em agosto de 2023, mais um julgado do STJ (REsp 2032932 / SP) mostrou o entendimento que vem se solidificando nessa corte, ao destacar que “A contratação de links patrocinados, em regra, caracteriza concorrência desleal quando: (i) a ferramenta Google Ads é utilizada para a compra de palavra-chave correspondente à marca registrada ou a nome empresarial; (ii) o titular da marca ou do nome e o adquirente da palavra-chave atuam no mesmo ramo de negócio (concorrentes), oferecendo serviços e produtos tidos por semelhantes, e (iii) o uso da palavra-chave é suscetível de violar as funções identificadora e de investimento da marca e do nome empresarial adquiridos como palavra-chave.”
A Lei de Propriedade Industrial, no artigo 195, define como crime a prática de concorrência desleal, e destaca algumas práticas que assim são consideradas, dentre elas o emprego de meio fraudulento para desviar clientela e o uso de expressão ou sinal de propaganda alheios para criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos:
Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:
(…)
III – emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;
(…)
V – usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências;
Muito embora não haja, na legislação, definição clara sobre o que pode ser considerado “meio fraudulento”, devemos sempre lembrar dos conceitos e princípios éticos nos quais as empresas devem basear a exploração de seus negócios. Eles é que vão conduzir o empresário à conclusão do que é lícito e o que é ilícito em termos de concorrência. No REsp 1937989 / SP o STJ deixa isso claro ao afirmar que “O ato de concorrência leal e o de concorrência desleal têm em comum a sua finalidade: ambos objetivam a clientela alheia. A deslealdade, no entanto, está na forma de atingir essa finalidade. Não é desleal o ato praticado com o objetivo de se apropriar de uma clientela, mas, sim, a prática de atos que superem a barreira do aceitável, lançando mão de meios desonestos.”
No mesmo julgado, afirma que “O estímulo à livre iniciativa, dentro ou fora da rede mundial de computadores, deve conhecer limites, sendo inconcebível reconhecer lícita conduta que cause confusão ou associação proposital à marca de terceiro atuante no mesmo nicho de mercado. A repressão à concorrência desleal não visa tutelar o monopólio sobre o aviamento ou a clientela, mas sim garantir a concorrência salutar, leal e os resultados econômicos. A lealdade é, assim, limite primeiro e inafastável para o exercício saudável da concorrência e deve inspirar a adoção de práticas mercadológicas razoáveis.”
Acórdãos do TJSP: Reflexos na Jurisprudência Estadual
O TJSP segue a mesma orientação do STJ. Destacamos julgados recentes, de dezembro de 2023, para ilustrar a posição da corte paulista: os processos 1089161-29.2022.8.26.0100 e 1001872-61.2022.8.26.0196 fornecem uma perspectiva estadual sobre a concorrência desleal.
O primeiro traz o caso da Leroy Merlin contra a Loja do Mecânico, no qual aquela afirma que esta incluiu sua marca como meta-tag de seu site para que, quando os consumidores buscassem pela expressão Leroy Merlin, a Loja do Mecânico apareceria nos resultados da busca. O TJSP entendeu se tratar de prática de concorrência desleal e condenou a Loja do Mecânico a pagar indenização no valor de R$ 20.000,00.
No segundo, além de adotar a mesma linha de julgamento no sentido de considerar concorrência desleal o uso de marca alheia como palavra-chave adquirida no Google Ads, condenando a empresa usurpadora a pagar indenização de R$ 20.000,00, também condena o Google solidariamente, “uma vez que a contratação dos serviços do Google Ads implica no proveito econômico em seu favor, mas acarretando em seu desfavor a teoria do risco-proveito, pelo uso indevido do nome da autora por parte da contratante.”
Ainda no âmbito do TJSP, temos o Enunciado XVII do Grupo de Câmaras Empresariais, que fornece diretrizes específicas sobre concorrência desleal, acrescentando uma camada adicional e mais clara de entendimento.
Estabelece que “Caracteriza ato de concorrência desleal a utilização de elemento nominativo de marca registrada alheia, dotada de suficiente distintividade e no mesmo ramo de atividade, como vocábulo de busca à divulgação de anúncios contratados junto a provedores de pesquisa na internet.”
Considerações Finais: Reflexões Ampliadas sobre o Cenário Jurídico-Digital
Em todos os casos analisados, cujos resultados levaram à condenação das empresas que “compraram” as marcas de suas concorrentes como palavras-chave na ferramenta Google Ads ou outras semelhantes, essas marcas possuíam elementos distintivos suficientes a diferenciá-las no mercado.
Quer dizer, as empresas condenadas não usaram expressões de uso comum de seus mercados, prática que seria, essa sim, considerada em conformidade com a concorrência livre e leal. Preferiram se aproveitar do destaque de seus concorrentes para desviar a clientela, ato desleal que configura crime, além de enriquecimento ilícito.
Por fim, fica aqui um alerta: se o uso de expressões de uso comum não é considerado ato ilícito no uso de Google Ads, é importante que a marca da sua empresa seja diferente o suficiente e, claro, esteja registrada no INPI para que possa ser defendida contra empresas que adotam a concorrência parasitária como estratégia para desviar clientes e aumentar faturamento.