O INPI pode alterar contratos de transferência de tecnologia. Abuso? Retrocesso? Vamos refletir…

Contratos de Transferência de Tecnologia

Por que existe intervenção do INPI nas relações privadas, notadamente nas cláusulas de contratos firmados entre particulares e que, a princípio, leva à conclusão de ser, sua atuação, abusiva e contrária à lei?

Muitas das decisões e dos posicionamentos do INPI não se encontram fundamentados expressamente em lei. O INPI foi criado em 1970, quando o foco do Governo era a regulação do mercado de tecnologia a partir da conveniência e interesse dos objetivos e estratégias da política nacional de desenvolvimento industrial. A missão do INPI era de acelerar e regular a transferência de tecnologia e de estabelecer melhores condições de negociação, tendo, nesta fase, a liberdade para intervir nos negócios.

Tal missão lhe foi confiada por meio da Lei nº 5.648/1970. A meta fixada para o INPI era de dar efetivação às normas de propriedade industrial, mas sem perder de vista a função social, econômica, jurídica e técnica da lei e considerando sempre o desenvolvimento econômico do país.

Desde o início, porém, a atuação do INPI, referente à legitimidade para exigir alterações de cláusulas em contratos de transferência de tecnologia aparentemente contrárias a tais preceitos, foi questionada em âmbito judicial.

E sempre, desde então, os tribunais pátrios vem se posicionando de acordo com entendimento do Supremo Tribunal Federal de que “(…) por sua importância, fundamental no processo de desenvolvimento, essa tentativa (de transferir tecnologia) há de ser rigorosamente vista, fiscalizada, superintendida, supervisionada por órgão estatal. A esse respeito, a intervenção no domínio econômico não encontra opositores, se trata da área na qual o interesse privado há subordinar-se ao superior interesse geral, que o Estado encarna e representa”, entendimento este declarado em acórdão de 1983, sob relatoria do Ministro Oscar Dias Corrêa no Recurso Extraordinário no 95.382.

A ação (Mandado de Segurança), foi movida em 1979 e a empresa viu-se frente ao forte intervencionismo do Estado, por meio do INPI, na relação comercial privada. O INPI exigiu, em resumo, “que se retire do Contrato expressões usadas em qualquer Contrato análogo, que se garanta e se discipline futuras patentes que nem existem, que se indique futurologicamente despesas que podem nem vir a existir, que se violente segredos industriais em prazo incoerente e, para coroar a ‘performance’, que se reduza o prazo contratual, já avençado, sem qualquer razão legal que o justifique”.

A empresa, por sua vez, argumentou que “não há definições na legislação brasileira em vigor, sobre formas ou normas contratuais pertinentes ao Contrato de Transferência de Tecnologia ou Fornecimento de Tecnologia Industrial.

O que existe legalmente é a obrigação do Instituto examinar a tecnologia a ser contratada, ou já contratada, para verificar se está consentânea com Planos Nacionais Governamentais, bem como solicitar à Concessionária de Tecnologia, que forneça os dados necessários ao dimensionamento, caracterização e regularidade dos documentos, para que sejam averbados.

Portanto cabe ao INPI averbar apenas o Contrato que sobejamente não vai contra Planos Nacionais Governamentais (De Desenvolvimento e semelhantes) e não fira à Lei.”

As alterações impostas pelo INPI, segundo a empresa, extrapolou tais limites e importaria, invariavelmente, perda de capital e de investimento.

Apesar da pertinência e validade dessas colocações, o STF decidiu pela legimitidade do INPI e legalidade do ato praticado no sentido de exigir as alterações contratuais, afirmando, o Ministro relator, que “o que à empresa pleiteante parece excelente e real contribuição, em know-how, ao País – sob a ótica especial, individual, em que se coloca, e sem prejuízo da honestidade de seus propósitos – pode, na verdade, não o representar, no exame complexo de uma realidade muito mais ampla, na visão geral do problema.”

Bom, mas isso foi em 1983. Será que, 34 anos depois, o entendimento do INPI e do Judiciário ainda permanece o mesmo?

Sim.

No mais recente julgado sobre o assunto, o STJ adotou o mesmo entendimento do STF – daquele acórdão de 1983 – ao declarar pela “Possibilidade do INPI intervir no âmbito negocial de transferência de tecnologia, diante de sua missão constitucional e infraconstitucional de regulamentação das atividades atinentes à propriedade industrial”, conforme o Ministro Relator Francisco Falcão.

Do que se extrai do acórdão, proferido no Recurso Especial 1200528/RJ interposto pelas empresas Unilever Brasil Ltda. e Unilever Bestfoods Brasil Ltda., a conclusão é de que o Judiciário entende que a Lei nº 9.279/1996 (LPI) somente retirou do INPI, ao revogar o parágrafo único do art. 2 da Lei 5.648/70, o juízo de conveniência e oportunidade da contratação, ou seja, o poder de definir quais as tecnologias seriam as mais adequadas ao desenvolvimento econômico do país. Esse juízo, atualmente, é unicamente das partes contratantes.

Todavia, persiste o poder de reprimir cláusulas entendidas como abusivas, especialmente as que envolvam pagamentos em moedas estrangeiras, ante a necessidade de remessa de valores ao exterior, funcionando, inclusive, como agente delegado da autoridade fiscal.

Por isso, de acordo com o Ministro Francisco Falcão, “a fim de que o INPI possa desenvolver suas atividades regulatórias e fiscalizatórias em plenitude, em estrita consonância com suas finalidades de abrangência constitucional e infraconstitucional, devem lhe ser assegurados mecanismos efetivos de ação” ou seja, a intervenção nos contratos levados a registro pelas partes interessadas.

Assim, conclui-se que, infelizmente, enquanto o intervencionismo exagerado do Estado prevalecer, especialmente nessa área importante da economia, o país perderá na concorrência pelo investimento de empresas estrangeiras.

A mudança, pelo visto, será lenta, e em nossa opinião dependerá da provocação contínua do empresariado na tentativa de configurar como abusivos tais atos de intervenção que, sob o argumento pré-histórico de proteção nacional, acabam gerando efeito contrário ao impedir a vinda de negócios e, justamente, o desenvolvimento do país.

Por Marina Flandoli e Paula Ajzen

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