LGPD NA PRÁTICA: COMO A PROTEÇÃO DE DADOS GERA LUCROS E VANTAGEM COMPETITIVA

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A mudança de paradigma da Proteção de Dados

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no Brasil, em vigor desde 2020, e o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) da União Europeia, implementado em 2018, estabeleceram um novo marco regulatório global para a privacidade e a proteção de dados. Inicialmente, essas regulamentações foram frequentemente vistas como complexas obrigações burocráticas ou custos adicionais para as empresas. No entanto, o cenário atual as posiciona como pilares essenciais para a sustentabilidade e competitividade no mercado digital. No Brasil, a importância da proteção de dados foi solidificada pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2021, que a reconheceu como um direito fundamental dos brasileiros.

Essa elevação do status da proteção de dados de uma mera “lei” para um “direito fundamental” no arcabouço jurídico brasileiro sinaliza uma profunda transformação na percepção social do tema. Isso implica que a violação da privacidade não é apenas uma infração legal passível de penalidades, mas uma quebra de confiança e uma falha ética.

Para as empresas, isso amplifica os riscos, indo muito além das multas e afetando a percepção da marca, a lealdade do cliente e até mesmo o moral dos funcionários, que podem se sentir desconfortáveis trabalhando para uma organização percebida como antiética. A conformidade, portanto, torna-se um imperativo moral e estratégico, e não apenas uma questão de cumprimento de regras.

 

Além da Conformidade: Como a LGPD gera lucro e vantagem competitiva?

A conformidade com a LGPD transcende a simples legalidade, tornando-se uma poderosa vantagem competitiva. A confiança do cliente emerge como um ativo valioso, pois os consumidores estão cada vez mais conscientes e preocupados com a privacidade online; cerca de 80% das pessoas expressam preocupação com sua privacidade digital, e a conscientização geral sobre o tema tem crescido.

Empresas que demonstram compromisso com a proteção de dados, garantindo transparência, privacidade e segurança no tratamento de informações, ganham a preferência do público. A conformidade com a LGPD, portanto, fortalece a confiança dos clientes e se estabelece como um diferencial competitivo crucial.

Investimentos em privacidade têm demonstrado um alto Retorno sobre Investimento (ROI), podendo chegar a 270% em alguns casos, de acordo com informações extraídas do relatório “Da privacidade ao lucro: como obter retornos positivos sobre investimento em privacidade” publicado pela Cisco em 2020. Este dado é fundamental para desmistificar a ideia de que a privacidade é apenas um custo, posicionando-a como uma fonte geradora de valor e lucratividade. O elevado ROI proveniente de investimentos em privacidade sugere que a privacidade transcende a condição de mero custo de conformidade para se tornar um motor de receita.

Isso implica uma mudança de uma visão reativa e de “centro de custo” da privacidade para uma visão proativa e de “centro de lucro”. Para as empresas, isso significa que a proteção de dados não é um gasto, mas um investimento que contribui diretamente para o resultado final, seja pelo aumento da lealdade do cliente, pela redução dos custos de violação de dados ou pela melhoria da percepção da marca.

Empresas que comunicam proativamente suas práticas robustas de proteção de dados destacam-se como organizações éticas e comprometidas com as melhores práticas de governança. Isso não apenas atrai clientes mais exigentes, mas também parceiros de negócios e investidores que valorizam a segurança e a conformidade como parte de uma estratégia de longo prazo e sustentabilidade.

A harmonização com legislações internacionais como o GDPR e a LGPD é um passo estratégico para a competitividade e sustentabilidade das empresas no mercado global, facilitando negócios internacionais.

A tabela a seguir ilustra a mudança de paradigma na percepção da LGPD:

Característica LGPD como Custo LGPD como Vantagem Estratégica
Percepção Inicial Ônus, burocracia, gasto Oportunidade, inovação, investimento
Foco Principal Obrigações legais, evitar multas Construção de confiança, reputação, novos negócios
Reação a Incidentes Reativa, corretiva Proativa, preventiva, gestão de riscos
Coleta de Dados Excessiva, sem critério Minimizada, essencial, otimizada
Visão Empresarial Curto prazo, conformidade mínima Longo prazo, sustentabilidade, crescimento
ROI Não mensurável ou negativo Alto (até 270% em alguns casos)

 

Otimização de Dados e Eficiência Operacional

A LGPD incentiva a adoção de uma cultura corporativa ética e otimizada, que se desvencilha da prática comum de coletar o maior volume possível de dados pessoais sem critério. Ao se alinharem efetivamente com os limites impostos pela LGPD, as empresas terão a oportunidade de construir um banco de dados mais eficiente e menos custoso, centrado apenas nas informações que possuem utilidade prática. Isso também reduz as contingências de segurança e possibilita uma relação de absoluta transparência com os clientes.

A ênfase na coleta de “dados essenciais” e na otimização do banco de dados implica um ganho de eficiência organizacional que vai além da privacidade de dados. Ao forçar as empresas a avaliar criticamente a coleta de dados, a LGPD atua como um catalisador para a minimização de dados e a melhoria da governança de dados, resultando em conjuntos de dados mais limpos e acionáveis.

Isso significa que a conformidade com a LGPD pode indiretamente melhorar a análise de dados e os esforços de inteligência de negócios, tornando os dados um ativo mais valioso. Coletar menos dados significa menos informações para gerenciar, proteger e armazenar, o que reduz os custos de armazenamento e os riscos de segurança cibernética. Além disso, ao focar em dados “essenciais”, a qualidade e a relevância dos dados coletados para fins de negócios (como marketing e desenvolvimento de produtos) melhoram, levando a melhores análises e estratégias mais eficazes.

Internamente, a aderência à LGPD propicia a implementação de uma cultura corporativa voltada para o tratamento ético, seguro e otimizado de dados. Essa mudança deve começar pela estrutura organizacional da empresa, com o exemplo vindo da alta administração, garantindo que a empresa esteja alinhada com uma mentalidade “privacidade em primeiro lugar” (privacy-first).

 

Estratégias para transformar LGPD em oportunidade 

Para transformar a LGPD em uma oportunidade, as empresas devem priorizar a privacidade desde a concepção. A LGPD incentiva a adoção de conceitos como privacy by design e privacy by default, que significam incorporar a privacidade dos dados de ponta a ponta, desde a concepção do produto ou serviço. A configuração padrão de um produto ou serviço deve assegurar o máximo de privacidade ao titular, coletando apenas os dados essenciais.

Essa ênfase em “Privacy by Design” e “Privacy by Default” vai além da mera adesão legal; ela significa uma mudança fundamental na filosofia de desenvolvimento de produtos. As empresas que adotam esses princípios não estão apenas cumprindo requisitos legais, mas estão fundamentalmente repensando seu ciclo de vida de desenvolvimento de produtos, incorporando considerações éticas e a confiança do usuário em seu cerne, o que pode levar a produtos mais resilientes e líderes de mercado. Se a privacidade é uma preocupação desde o início do desenvolvimento, ela se torna uma funcionalidade central, não um “remendo” tardio, resultando em menos retrabalho, menos vulnerabilidades e uma experiência de usuário mais fluida.

A conformidade com a LGPD não é um processo que termina com a implementação inicial; é crucial que as empresas de tecnologia (e de outros setores) continuem a monitorar e manter seus processos atualizados, pois a segurança de dados é um processo contínuo. Para assegurar que todos na organização compreendam os requisitos da LGPD e a importância da privacidade de dados, as empresas devem investir em treinamentos e atualizações regulares para seus funcionários.

 

Conclusão: O Futuro é Privacy-First

A LGPD é uma exigência mundial de mercado que busca conferir maior segurança e transparência ao tratamento de dados pessoais, impulsionando novos negócios e fortalecendo a reputação. Empresas que a encaram como um investimento estratégico, e não como um ônus, estarão à frente, posicionando-se como aliadas na defesa da privacidade e garantindo sua sustentabilidade e crescimento no cenário digital. A proteção de dados, portanto, não é apenas uma obrigação, mas um pilar estratégico para o sucesso e a confiança no mercado contemporâneo.

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