Questão muito discutida em processos judiciais nos quais se objetiva a indenização por violação de propriedade intelectual, o que inclui, por exemplo, o uso indevido de marca ou de desenho industrial, é a necessidade de se delimitar, já no início da ação, a extensão dos danos como premissa para legitimar o direito, em si, à reparação.

A controvérsia existe porque parte do Judiciário brasileiro entende que a vítima, parte autora da ação judicial, deve indicar quais os danos sofridos e o valor econômico correspondente, enquanto a outra parte se posiciona no sentido de que a valoração desses danos pode ser realizada em fase de cumprimento de sentença, ou seja, após findo o processo e reconhecidos tanto o direito à reparação como a violação da propriedade intelectual.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em sua maioria, é partidário da segunda posição, a exemplo de recente acórdão[1] proferido em junho de 2015 mantendo a sentença de primeiro grau em que restou condenada a empresa RR Donnelley Moore Editora e Gráfica Ltda. por copiar patente de modelo de utilidade denominado “Disposição em Etiqueta Auto-Adesiva com elementos de Segurança”, de propriedade de Ayrton Bernardes Carvalho Filho.

Em seu voto, o Relator Maia da Cunha afirmou que “Oriundo da ilicitude que advém da violação a patente, o prejuízo material não fica adstrito à sua efetiva comprovação na fase de conhecimento, podendo ser apurado, em conformidade com a lei, na execução da sentença.”

De fato, o dano decorrente da violação de direito de propriedade intelectual é presumido, o que significa que sua comprovação está atrelada à comprovação do próprio ato ilícito em si, dispensando a prova de sua extensão na fase inicial ou de conhecimento do processo judicial.

Entendimento diverso, por outro lado, pode ser verifica no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ao julgar improvido o recurso de Apelação interposto por Grendene S/A em que esta pleiteou a reforma da sentença para reconhecer a presunção do dano sofrido por conta da incontroversa violação de direito exclusivo sobre desenho industrial de seus produtos.

A sentença, em primeiro grau, julgou parcialmente procedente a ação movida pela Grendene S/A contra a Indústria e Comércio de Calçados Daiana Ltda., consolidando a antecipação de tutela consistente na proibição de fabricação e comercialização dos produtos com as mesmas características dos desenvolvidos por aquela.

Porém, julgou improcedente a ação na parte em que a Grendene S/A postulou indenização pelos danos sofridos em virtude da contrafação, o que foi mantido pelo TJ/RS sob o fundamento de que não houve comprovação do valor dos danos – ou seja, sua extensão –, requisito necessário dada a ausência de presunção nesse caso.

Felizmente, a questão foi reanalisada pela 3a. Turma do Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, que no último dia 25/10/2016 julgou procedente o Recurso Especial no. 1631314 interposto pela Grendene S/A.

Em seu voto, a Ministra afirma que a controvérsia se cingiu em “determinar se é necessária a delimitação da extensão do prejuízo econômico para que se possa reconhecer a existência de danos patrimoniais decorrentes de violação a direito de propriedade industrial.”

E pondera, ao dirimir a questão, que “a Lei no 9.279/1996 – que regula os direitos e as obrigações concernentes à propriedade industrial –, em seus artigos que tratam especificamente da reparação pelos danos causados por violação aos direitos por ela garantidos, não exige, para fins indenizatórios, comprovação dos prejuízos experimentados. Ao contrário, de modo bastante amplo, permite ao titular do direito violado ‘intentar as ações cíveis que considerar cabíveis na forma do Código de Processo Civil’ (art. 207).

Daí que a configuração do dano, na hipótese, prescinde da delimitação contábil exigida pelo acórdão recorrido, consubstanciando-se na própria violação do interesse protegido pela LPI, resultante da frustração da legítima expectativa da recorrente de utilização exclusiva dos desenhos industriais de sua propriedade.”

Em outras palavras, para o STJ a violação a interesse protegido pelo Direito de Propriedade Industrial presume a ocorrência de dano, cuja delimitação ou extensão pecuniária é desnecessária para reconhecimento do direito à consequente reparação indenizatória, o que poderá ser apurado mediante liquidação na fase de cumprimento de sentença.

A decisão, além de brilhante do ponto de vista técnico, representa grande vitória às vítimas de ato ilícito por infração de direito de propriedade industrial – que abrange patentes de invenção e de modelos de utilidade, desenho industrial, marcas, dentre outros –, às quais está garantido o direito de perceber indenização pelos danos sofridos independentemente da comprovação imediata dos valores envolvidos.

É bom deixar claro, porém, que isso não significa que não haverá apuração da extensão e do valor econômico envolvido pelo dano, mas, sim, que tal procedimento poderá ocorrer após a finalização do processo.

Portanto, reconhecido o ato ilícito e o consequente dano presumido, a ação deverá ser julgada procedente. Após, aí sim, haverá se ser iniciada a liquidação e quantificação dos danos, quando da fase de cumprimento de sentença, a fim de determinar o valor da indenização ao qual o infrator foi condenado a pagar.

A preocupação do ofendido, nesses casos, deverá se resumir a demonstrar a ocorrência do ato ilícito pelo infrator, ou seja, a cópia e comercialização de produtos, o uso indevido de marcas semelhantes, etc., cujo uso exclusivo pertence ao titular do direito devidamente protegido por registro concedido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI.

Por Marina Flandoli